15 de abril de 2013

os sonhos da madrugada

De tudo que lá havia pouco restou para recolher nos bolsos. Todas as preces foram gastas pedindo um pouco de paz e nenhuma paz chegou. Lutemos mais um pouco, Amor...

Já amanhece novamente e ainda não conseguimos enterrar todos os holocaustos e terrores que elas haviam espalhado por cima do Olimpo sagrado em que dormíamos... serenamente.

Tensão espalhada em negras vegetações cintilantes... rutilantes... ruminantes: a hora da despedida e a hora de chegada são sempre as mesmas e eu nunca consigo encontrar as palavras que gostaria de lhe deitar aos ouvidos nestes momentos... sempre acabo cedendo ao silêncio e aos olhos aflitos, semi-coloridos, de cílios entrelaçados como nossas pernas em luas de festas...

Há um outro olho que nos observa sorrateiramente... ele quer nos zombar as alegrias as lutas as cerimônias e nós não aceitamos esse desprezo... convido-o a entrar no jardim mas seus pés sem dedos não o permite manter-se ereto sobre as folhagens... ele cai e nossos chacais o devoram deliciosamente cada gota da gordura mole que lhe escorre dos ouvidos da barriga das pernas...

Tento abaixar para pegar um pouco dessa matéria mas não há espaço nos bolsos! A bagagem está completa e orvalhada e o sino anuncia que o momento de recolher-se é chegado. O som dos passos estão chegando e nós temos que buscar abrigo, Amor...

Todos os reinos se perderam nas correntezas dos cabelos vermelhos em ondas e marolas que se esvaíram pelas bordas do prato... não entender e não compreender faz parte do cardápio do dia... há mais alguma prece escondida atrás das orelhas?

Vem, Amor... meu corpo já anuncia que é chegado o momento de plainar na letargia das aves canoras enquanto o menino pesca labaredas e elas não chegam para colher os frutos daquela árvore que você plantou na lata de ervilhas... vem, Amor, vamos estender os corpos nas teias das aranhas armadeiras que se escondem nas bananeiras dos absurdos que vivem em nossa casa...

te encontro ao anoitecer. Ândrea



*e porque há coisas que se escondem nos meus pensamentos e que, se escrevo, é porque calo.

sobre ofícios, artes e vida

Entendo por "ofício", qualquer atividade especializada de trabalho, profissão, emprego, meio de vida... Isso é simples, consta em qualquer dicionário. Mas, na prática, isso muitas vezes significa sacrifício.

Atuando na educação desde 2003, considero-me uma - ainda - novata. Amo o meu ofício. Não amo os anexos dele. Conta simples de se fazer: a considerar os baixos valores pagos à classe docente, acredito que somos heróis resistentes e persistentes; ainda há pouco, após oferecer ensino de qualidade em minha última aula do dia (à noite), comentei com a secretária da escola que, "dar" aula é um veneno que escraviza.

E por que escraviza? Não sei... mas não consigo parar de "dar" aulas.

Nesta semana é meu aniversário... completarei 42 décadas muito bem vividas, regadas à arte, música, trabalho, muito trabalho, leituras... muitas escritas em meus cadernos de "deveres para o passado"... paixões... mais paixões... por tudo: pela vida, pela alegria, pela família, pelos amigos... por mim mesma... aprendi a me valorizar, a gritar, a me impor... conquistei meus espaços... continuo conquistando!

Após tantas paixões, encontrei o Amor... os Amores: e encontrei em formas não-semelhantes: nas artes, há décadas amando pintura, desenho, esculturas e arquiteturas, me encantando por outras artes como o grafite... namorando - às vezes, o artesanato... encontrei o Amor espiritual na alegria de viver todos os dias... o Amor físico e psicológico em meu marido, Hélio... o Amor familiar dos meus pais e irmãos... encontrei-me, em tempo de lutar mais uns bons e extensos anos.

Por quê esse título: sobre ofícios, artes e vida? Simples... tudo isso está permeado, justaposto, sincronizado, concatenado... amarrado. Dá pra encarar mais 42 anos se continuar com esse todo de amor... a saúde às vezes me atrapalha um pouco... aliás, a pequena falta dela: muito stress, muita correria, muitos quilômetros semanais... acredito que eu 365 dias, o que eu rodo por aí daria pra chegar à lua! Pode ser uma hipérbole... mas dá essa impressão... e tudo isso é arte da arte: a arte que eu manifesto nas telas, nos vergês, nas paredes da minha casa alugada... nos desenhos de arquitetura que eu brinco de fazer a minha casa própria e ela, finalmente, está saindo do papel... paredes erguidas e muito dinheiro já investido... logo este sonho também se concretizará... mais um troféu!

E vai me dizer que tudo isso não é a Vida?! Aprendi a não reclamar do tanto de trabalho que tenho... na quarta-feira, dia do meu aniversário, tudo o que eu planejei não acontecerá: acordarei às 6 da matina, às 7 saio de casa e dirijo até o estado de MS... pertinho, uns 35km... chego lá às 7 porque é outro fuso horário... trabalharei até 18h... saio de lá "voando" e entro às 19h em outra escola e lá fico até 23h. Isso porque tudo o que eu planejei era passar a noite em casa, curtindo a nova idade... e olha só o presente que me aconteceu!!

E no meio disso tudo, uma correria, mais de 400 alunos num só dia, aniversário, saudades do marido, do aconchego do lar, da minha cachorra chata Tushka, do jantarzinho light que gosto de preparar enquanto assisto ao jornal... saudade da minha cama maravilhosa... de esticar as canelas que ficam doloridas lá pelas 16h... mas ainda faltarão mais 7h para encerrar o dia de labuta... Telefonar pra mãe entre sair do carro e chegar à sala dos professores... bater um papo, saber se está tudo bem... combinar uma lista de coisas pra fazer no fim de semana... sim, coisas para o fim de semana: eu aprendi a fazer o que eu mais detestava em minha vida: comemorar aniversário!

Quem me ensinou a comemorar o novo nascimento foi a Katia, minha irmã tão amada que tão cedo foi brilhar em outro plano. Envelhecer é coisa interna, da alma, do coração... coisa de gente que não tem muito o que fazer e - graças a Deus, não tenho tempo pra não fazer nada... mas terei tempo para comemorar minha nova primavera, reunir família, amiga, amigo... juntar o povo em redor de uma mesa imensa armada no meio do meu quintal e beber e comer o que de melhor eu puder preparar... é assim que gosto de comemorar meus renascimentos...

E como preciso dormir pra acordar às 4 da madruga, e pra finalizar toda essa blablação, vai me dizer que ofício, arte e vida não andam de mãos dadas? Ofício é viver... a arte maior é viver... a vida... a vida é viver... simples como tomar um sorvete na praça olhando o povo feio disfarçado de bonito zanzando pra todos os lugares... e também isso é viver...

Obrigada, Ândrea