30 de novembro de 2009

Oração de Chico Xavier




Que eu continue a acreditar no outro mesmo sabendo de alguns valores tão esquisitos que permeiam o mundo;
Que eu continue otimista, mesmo sabendo que o futuro que nos espera nem sempre é tão alegre;
Que eu continue com a vontade de viver, mesmo sabendo que a vida é, em muitos momentos, uma lição difícil de ser aprendida;
Que eu permaneça com a vontade de ter grandes amigos(as), mesmo sabendo que com as voltas do mundo, eles(as) vão indo embora de nossas vidas;
Que eu realimente sempre a vontade de ajudar as pessoas, mesmo sabendo que muitas delas são incapazes de ver, sentir, entender ou utilizar esta ajuda;

Que eu mantenha meu equilíbrio, mesmo sabendo que os desafios são inúmeros ao longo do caminho;
Que eu exteriorize a vontade de amar, entendendo que amar não é sentimento de posse, é sentimento de doação;
Que eu sustente a luz e o brilho no olhar, mesmo sabendo que muitas coisas que vejo no mundo, escurecem meus olhos;
Que eu retroalimente minha garra, mesmo sabendo que a derrota e a perda são ingredientes tão fortes quanto o sucesso e a alegria;

Que eu atenda sempre mais à minha intuição, que sinaliza o que de mais autêntico possuo;
Que eu pratique sempre mais o sentimento de justiça, mesmo em meio à turbulência dos interesses;
Que eu não perca o meu forte abraço, e o distribua sempre;
Que eu perpetue a beleza e o brilho de ver, mesmo sabendo que as lágrimas também brotam dos meus olhos;
Que eu manifeste o amor por minha família, mesmo sabendo que ela muitas vezes me exige muito para manter sua harmonia;
Que eu acalente a vontade de ser grande, mesmo sabendo que minha parcela de contribuição no mundo é pequena;

E, acima de tudo...
Que eu lembre sempre que todos nós fazemos parte desta maravilhosa teia chamada vida, criada por alguém bem superior a todos nós!
E que as grandes mudanças não ocorrem por grandes feitos de alguns e, sim, nas pequenas parcelas cotidianas de todos nós!


11 de novembro de 2009

complexidade...


Abri o Tarô... ainda nem sei como fazer isso, mas quis brincar de adivinhar ou imaginar.

Interpretar?... prefiro as entrelinhas dos teus olhos negros, tão profundos, tão sinceros e tão meninos que livro algum ousaria descrevê-los... Amo os olhos teus...
Amo a boca tua...
Amo os ombros teus...
Amo o riso largo e escancarado que tem o tamanho do mundo...
Amo tuas mãos belas e longas e pálidas e fortes...
Amo tua voz que entra suave pelos meus ouvidos e se arrasta pelas minhas extensões...
Amo tua cor, teus desenhos, tua cartografia...
Amo cada poro do tecido teu...

Pra que inventar essas coisas complexas e ajustadas de Tarô?

AMO-TE desajustada e sem complexidade.

Ândrea, A Russa

A Serenata...



Uma noite de lua pálida e gerânios
ele virá com a boca e mão incríveis
tocar flauta no jardin.
Estou no começo do meu desespero
e só vejo dois caminhos:
ou viro doida ou santa.
Eu que rejeito e exprobo
o que não for natural como sangue e veias
descubro que estou chorando todo dia,
os cabelos entristecidos,
a pele assaltada de indecisão.
Quando ele vier, porque é certo que vem,
de que modo vou chegar ao balcão sem juventude?
A lua, os gerânios e ele serão os mesmos
- só a mulher entre as coisas envelhece.
De que modo vou abrir a janela,se não for doida?
Como a fecharei, se não for santa?

Adélia Prado

Briga no beco... Adélia Prado




Encontrei meu marido às três horas da tarde
com uma loura oxidada.
Tomavam guaraná e riam, os desavergonhados.
Ataquei-os por trás com mãos e palavras
que nunca suspeitei conhecer.
Voaram três dentes e gritei, esmurrei-os e gritei,
gritei meu urro, a torrente de impropérios.
Ajuntou gente, escureceu o sol,
a poeira adensou como cortina.
Ele me pegava nos braços, nas pernas, na cintura,
sem me reter, peixe-piranha, bicho pior,
[fêmea-ofendida,
uivava.
Gritei, gritei, gritei, até a cratera exaurir-se.
Quando não pude mais fiquei rígida,
as mãos na garganta dele, nós dois petrificados,
eu sem tocar o chão. Quando abri os olhos,
as mulheres abriam alas, me tocando, me pedindo
[ graças.
Desde então faço milagres.


8 de novembro de 2009

Uns versos...


Sou sua noite, sou seu quarto

Se você quiser dormir

Eu me despeço

Eu em pedaços

Como um silêncio ao contrário

Enquanto espero

Escrevo uns versos

Depois rasgo

Sou seu fado, sou seu bardo

Se você quiser ouvir

O seu eunuco, o seu soprano

Um seu arauto

Eu sou o sol da sua noite em claro,

Um rádio

Eu sou pelo avesso sua pele,

O seu casaco

Se você vai sair

O seu asfalto

Se você vai sair

Sou a chuva

Sobre o seu cabelo

Pelo seu itinerário


Sou eu o sou paradeiro

Em uns versos que eu escrevo

Depois rasgo

E depois rasgo


(Adriana Calcanhoto)

Vambora


Entre por essa porta agora
E diga que me adora
Você tem meia hora
Pra mudar a minha vida
Vem Vambora
Que o que você demora
É o tempo que leva
Ainda tem o seu perfume pela casa
Ainda têm você na sala
Porque meu coração dispara
Quando tem o seu cheiro
Dentro de um livro
Dentro da noite Veloz
Ainda tem o seu perfume pela casa
Ainda têm você na sala
Porque meu coração dispara
Quando tem o seu cheiro
Dentro de um livro
Nas cinzas das horas

(Adriana Calcanhoto)


7 de novembro de 2009

Ler... ler mais... pensar e inspirar-se... eis o que é o ofício...

Relendo meus recadinhos no orkut, deparei-me com essa mensagem enviada por um amigo:

O mundo está nas mãos daqueles que têm
coragem de sonhar, e correr o risco de viver
seus sonhos. Cada qual com seu talento.
( Paulo Coelho)

Li poucas obras do Paulo Coelho e não constatei nada de tão assustador quanto as pessoas costumam dizer: antiético, escritor de autoajuda, não-acadêmico... e tantas outras desqualificações que atribuem a pessoa tão brilhante e que deveria ser mais valorizada pelos leitores brasileiros, inclusive no meio acadêmico.

Mas a questão não é essa... é bem outra que me traz aqui.

Coragem pra sonhar, todos temos... correr riscos, todos correm... mas o que acontece nas vidas das pessoas todas que bloqueiam seus sonhos?

O que é sonhar, alcançar o sonho e não saber o que fazer com ele quando se torna realidade?

Calos, feridas, pedradas, choques... tudo isso faz parte da vida mas, desistir? Chego a pensar que seja burrice crer numa vida perfeita, mas com certeza, é mais burrice ainda não crer que tudo possa ser mudado, que as pessoas possam mudar seus atos, pensamentos e condutas... nunca estaremos terminados, prontos... somos mutantes nessa questão...

Eu aprendi a perdoar essas "coisas" que a Vida me presenteia. Doeu demais no começo, mas hoje é um hábito saudável e que permite a mim, viver mais leve, suave, com menos dores.

Quando a pedra me atinge, eu a recolho e a coloco em meu Jardim. Muitas vezes, ela fica lá, mistura-se às outras tantas e chega um dia que olho pro Jardim e aprecio a beleza que construi: todas as pedras lá, enfileiradas em redor de flores, árvores, espelhos d'água... tudo acaba se tornando uma decoração quase nipônica, como os jardins do Rudge Ramos, em São Bernardo, naquela pracinha linda onde os casais de noivos tiram fotografias após concluírem seus casamentos na igreja em frente... é tudo tão harmônico, tão bem distribuído, tão sereno... nem sei como está hoje essa pracinha, mas espero que esteja igualzinha a das minhas lembranças. Muitas lembranças.

E tantas outras pedras fascinaram-me em minha vida!

Tem também as pedras que acompanham as estradas. Montanhas recortadas e estupradas pelas rodovias e pelos olhos de quem passa por ali sem reconhecer a beleza delas... pedras.

Lembro-me de como fiquei admirada quando cruzei a ponte sobre o rio Paraguai, há quase três semanas, quando ia a Corumbá. Se eu pudesse parar o carro sobre a ponte, teria me fascinado mais ainda com a beleza das rochas da montanha recortada, entrecoberta de líquens e árvores que nascem entre as rachaduras, muitas delas floridas... a água que passa lentamente pelo leito, nas pedras, como se as acarinhasse. Neste momento, mesmo que correndo muito, consegui enxergar a beleza dessas pedras ali, paradas, como se gritassem. Eu senti inveja delas. Queria ser como uma daquelas partes mais ousada da imensa montanha de pedra... queria ser a parte mais pontuda, aquela que ousa invadir uma fileira a mais em relação às outras, aquela que quer roubar para si um pouco mais do carinho das águas... rio Paraguai... quanta beleza se vê de uma ponte...



Não, meus companheiros... eu não consegui fotografar a tal montanha de pedra... infelizmente um fenômeno chamado "trânsito", fez eu pisar mais no acelerador, mas pude contemplar nitidamente as variantes de marrons, rosas-alaranjados, marinhos, vermelhos, ocres da imensa parece úmida que grita.

As pedras gritam. Eu as ouço quando o mundo fica mais quieto, e quando meu mundo está aflito.

Elas gritam coisas sem sentido. Muitas vezes são assim mesmo, abstratas, mas estão lá, berrando o tempo todo. Essas são as pedras-amigas. Aquelas que estão na natureza, as que sobraram na natureza, claro.

As pedras do meu Jardim não são como as pedras que vi no rio Paraguai. Elas não gritam comigo, não conversam comigo... são só pedras marginais, assassinas... pedras que tentaram - e por pouco tempo conseguiram - me derrubar... elas são presentes que a Vida me deu. Respeito muito os presentes. Mais ainda os ausentes.

Ganhei pedras de todos os amores que vivi. Ganhei pedras de muitos pessoas grosseiras que não sabem como é viver no equilíbrio do dia-a-dia. Pedras de familiares, de amigos, de antiamigos e até de desconhecidos.

Minha sacola de carregar pedras é grande. Sempre que chego em casa, todos os dias, tenho que descarregá-la no Jardim.

Primeiro, despejo-as ao chão. Depois, agacho-me junto delas e as seleciono por tamanho... por cor... analiso o peso de cada uma. Há pedras muito pequenas com peso muito maior que as pedras grandes, acredite-me... mas ficam lindas quando colocadas no Jardim... acredite-me mais uma vez!

Depois, quando estão todas colocadinhas em seus lugares, encaixadas umas às outras, contemplo. a visagem. Sento-me mais distante e fico quieta, só observando o significado de cada pedra.

Se estiver lendo essas linhas tortas que parecem retas, leia com pausa, com atenção, como se observasse atentamente as pedras comigo. Senta do meu lado mas fica quieto... contempla!

A ressignificação das pedras é tarefa mais árdua. Contempla comigo.

Se uma pedra ficou presa nas linhas do meu tênis, tem um significado. Mas se ficam presas nos meus olhos, o significado tem outra ressignificação.

Essas pedras que se prendem no corpo, não me incomodam e nem me tiram do rumo. Gosto é das pedras que batem na alma e causam hematomas tão imensos que ficam dias e dias doendo. Anos e anos...

Quanto mais elas doem, mais dou ressignificados a elas.

Ontem recebi uma pedrada nova... inédita e de grande valia.

É uma pedrada da pedrada, uma metapedrada... dá pra pensar isso? Consegue? Se não, aprende comigo que estou aprendendo essa nova tarefa:

Primeiro: alguém recebeu uma pedrada que machucou. Recebeu até duas. Deve doer muito coisa assim. E dói. Coisa que respeito deveras é a dor-alheia.

Dor-alheia é palavra composta porque de muitas formas passam a fazer parte da dor nossa, - minha -, no caso. Eu ouvi as pedradas e as senti. E realmente, foram pedradas de responsabilidade.

Segundo: quem recebe essas pedradas, sem querer - ou não -, fragmentou essa matéria em várias outras pedras. A partir disso, remete-as a quem se aproxima. Isso é a metapedrada. A pedra da pedra, a filha-da-pedra.

Estou tentando aqui, associar as pedradas com o Paulo Coelho... não é tarefa impossível, mas as pedras destroem parte dos sonhos - só a parte real - porque os sonhos vão continuar lá, latentes...

Foi assim, nessa tarefa de ressignificar as coisas sólidas que aprendi que as pedradas só amputam os sonhos de quem não tem coragem, de quem não quer correr e viver os riscos dos seus sonhos. Isso é talento! Organizar as pedras, harmonicamente, sintaticamente em Jardins... elas nunca vão acabar, sempre haverá mão atirando pedra e pedras sendo atiradas.

Receber uma pedra considero um presente nobre. Eu lapido os presentes. Guardo-os com carinho e respeito. Não é qualquer pessoa que consegue receber uma pedrada e manter-se inteiro, completo, sem rachaduras, sem frestas, sem ossos quebrados... Receber uma pedrada faz parte do ciclo vital... o grande segredo das coisas está no equilíbrio e equilibrar pedras exige grande malabarismo: carregá-las sem tropeçar, sem escorregar... lapidá-las... escolher um lugar reluzente e digno a cada uma. Dar-lhes significados. Ressignificá-las.

O mundo está nas mãos daqueles que têm coragem de sonhar, apesar das pedradas e correr o risco de viver seus sonhos com ou sem pedradas. Cada qual com seu talento... que seu talento permita-lhe ter o talento de saber ressignificar as pedras.

Ândrea Mamontow