7 de novembro de 2009

Ler... ler mais... pensar e inspirar-se... eis o que é o ofício...

Relendo meus recadinhos no orkut, deparei-me com essa mensagem enviada por um amigo:

O mundo está nas mãos daqueles que têm
coragem de sonhar, e correr o risco de viver
seus sonhos. Cada qual com seu talento.
( Paulo Coelho)

Li poucas obras do Paulo Coelho e não constatei nada de tão assustador quanto as pessoas costumam dizer: antiético, escritor de autoajuda, não-acadêmico... e tantas outras desqualificações que atribuem a pessoa tão brilhante e que deveria ser mais valorizada pelos leitores brasileiros, inclusive no meio acadêmico.

Mas a questão não é essa... é bem outra que me traz aqui.

Coragem pra sonhar, todos temos... correr riscos, todos correm... mas o que acontece nas vidas das pessoas todas que bloqueiam seus sonhos?

O que é sonhar, alcançar o sonho e não saber o que fazer com ele quando se torna realidade?

Calos, feridas, pedradas, choques... tudo isso faz parte da vida mas, desistir? Chego a pensar que seja burrice crer numa vida perfeita, mas com certeza, é mais burrice ainda não crer que tudo possa ser mudado, que as pessoas possam mudar seus atos, pensamentos e condutas... nunca estaremos terminados, prontos... somos mutantes nessa questão...

Eu aprendi a perdoar essas "coisas" que a Vida me presenteia. Doeu demais no começo, mas hoje é um hábito saudável e que permite a mim, viver mais leve, suave, com menos dores.

Quando a pedra me atinge, eu a recolho e a coloco em meu Jardim. Muitas vezes, ela fica lá, mistura-se às outras tantas e chega um dia que olho pro Jardim e aprecio a beleza que construi: todas as pedras lá, enfileiradas em redor de flores, árvores, espelhos d'água... tudo acaba se tornando uma decoração quase nipônica, como os jardins do Rudge Ramos, em São Bernardo, naquela pracinha linda onde os casais de noivos tiram fotografias após concluírem seus casamentos na igreja em frente... é tudo tão harmônico, tão bem distribuído, tão sereno... nem sei como está hoje essa pracinha, mas espero que esteja igualzinha a das minhas lembranças. Muitas lembranças.

E tantas outras pedras fascinaram-me em minha vida!

Tem também as pedras que acompanham as estradas. Montanhas recortadas e estupradas pelas rodovias e pelos olhos de quem passa por ali sem reconhecer a beleza delas... pedras.

Lembro-me de como fiquei admirada quando cruzei a ponte sobre o rio Paraguai, há quase três semanas, quando ia a Corumbá. Se eu pudesse parar o carro sobre a ponte, teria me fascinado mais ainda com a beleza das rochas da montanha recortada, entrecoberta de líquens e árvores que nascem entre as rachaduras, muitas delas floridas... a água que passa lentamente pelo leito, nas pedras, como se as acarinhasse. Neste momento, mesmo que correndo muito, consegui enxergar a beleza dessas pedras ali, paradas, como se gritassem. Eu senti inveja delas. Queria ser como uma daquelas partes mais ousada da imensa montanha de pedra... queria ser a parte mais pontuda, aquela que ousa invadir uma fileira a mais em relação às outras, aquela que quer roubar para si um pouco mais do carinho das águas... rio Paraguai... quanta beleza se vê de uma ponte...



Não, meus companheiros... eu não consegui fotografar a tal montanha de pedra... infelizmente um fenômeno chamado "trânsito", fez eu pisar mais no acelerador, mas pude contemplar nitidamente as variantes de marrons, rosas-alaranjados, marinhos, vermelhos, ocres da imensa parece úmida que grita.

As pedras gritam. Eu as ouço quando o mundo fica mais quieto, e quando meu mundo está aflito.

Elas gritam coisas sem sentido. Muitas vezes são assim mesmo, abstratas, mas estão lá, berrando o tempo todo. Essas são as pedras-amigas. Aquelas que estão na natureza, as que sobraram na natureza, claro.

As pedras do meu Jardim não são como as pedras que vi no rio Paraguai. Elas não gritam comigo, não conversam comigo... são só pedras marginais, assassinas... pedras que tentaram - e por pouco tempo conseguiram - me derrubar... elas são presentes que a Vida me deu. Respeito muito os presentes. Mais ainda os ausentes.

Ganhei pedras de todos os amores que vivi. Ganhei pedras de muitos pessoas grosseiras que não sabem como é viver no equilíbrio do dia-a-dia. Pedras de familiares, de amigos, de antiamigos e até de desconhecidos.

Minha sacola de carregar pedras é grande. Sempre que chego em casa, todos os dias, tenho que descarregá-la no Jardim.

Primeiro, despejo-as ao chão. Depois, agacho-me junto delas e as seleciono por tamanho... por cor... analiso o peso de cada uma. Há pedras muito pequenas com peso muito maior que as pedras grandes, acredite-me... mas ficam lindas quando colocadas no Jardim... acredite-me mais uma vez!

Depois, quando estão todas colocadinhas em seus lugares, encaixadas umas às outras, contemplo. a visagem. Sento-me mais distante e fico quieta, só observando o significado de cada pedra.

Se estiver lendo essas linhas tortas que parecem retas, leia com pausa, com atenção, como se observasse atentamente as pedras comigo. Senta do meu lado mas fica quieto... contempla!

A ressignificação das pedras é tarefa mais árdua. Contempla comigo.

Se uma pedra ficou presa nas linhas do meu tênis, tem um significado. Mas se ficam presas nos meus olhos, o significado tem outra ressignificação.

Essas pedras que se prendem no corpo, não me incomodam e nem me tiram do rumo. Gosto é das pedras que batem na alma e causam hematomas tão imensos que ficam dias e dias doendo. Anos e anos...

Quanto mais elas doem, mais dou ressignificados a elas.

Ontem recebi uma pedrada nova... inédita e de grande valia.

É uma pedrada da pedrada, uma metapedrada... dá pra pensar isso? Consegue? Se não, aprende comigo que estou aprendendo essa nova tarefa:

Primeiro: alguém recebeu uma pedrada que machucou. Recebeu até duas. Deve doer muito coisa assim. E dói. Coisa que respeito deveras é a dor-alheia.

Dor-alheia é palavra composta porque de muitas formas passam a fazer parte da dor nossa, - minha -, no caso. Eu ouvi as pedradas e as senti. E realmente, foram pedradas de responsabilidade.

Segundo: quem recebe essas pedradas, sem querer - ou não -, fragmentou essa matéria em várias outras pedras. A partir disso, remete-as a quem se aproxima. Isso é a metapedrada. A pedra da pedra, a filha-da-pedra.

Estou tentando aqui, associar as pedradas com o Paulo Coelho... não é tarefa impossível, mas as pedras destroem parte dos sonhos - só a parte real - porque os sonhos vão continuar lá, latentes...

Foi assim, nessa tarefa de ressignificar as coisas sólidas que aprendi que as pedradas só amputam os sonhos de quem não tem coragem, de quem não quer correr e viver os riscos dos seus sonhos. Isso é talento! Organizar as pedras, harmonicamente, sintaticamente em Jardins... elas nunca vão acabar, sempre haverá mão atirando pedra e pedras sendo atiradas.

Receber uma pedra considero um presente nobre. Eu lapido os presentes. Guardo-os com carinho e respeito. Não é qualquer pessoa que consegue receber uma pedrada e manter-se inteiro, completo, sem rachaduras, sem frestas, sem ossos quebrados... Receber uma pedrada faz parte do ciclo vital... o grande segredo das coisas está no equilíbrio e equilibrar pedras exige grande malabarismo: carregá-las sem tropeçar, sem escorregar... lapidá-las... escolher um lugar reluzente e digno a cada uma. Dar-lhes significados. Ressignificá-las.

O mundo está nas mãos daqueles que têm coragem de sonhar, apesar das pedradas e correr o risco de viver seus sonhos com ou sem pedradas. Cada qual com seu talento... que seu talento permita-lhe ter o talento de saber ressignificar as pedras.

Ândrea Mamontow

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