Lição sobre a água
Este líquido é água.
Quando pura
é inodora, insípida e incolor.
Reduzida a vapor,
sob tensão e a alta temperatura,
move os êmbolos das máquinas que, por isso,
se denominam máquinas de vapor.
É um bom dissolvente.
Embora com exceções mas de um modo geral,
dissolve tudo bem, bases e sais.
Congela a zero graus centesimais
e ferve a 100, quando à pressão normal.
Foi neste líquido que numa noite cálida de Verão,
sob um luar gomoso e branco de camélia,
apareceu a boiar o cadáver de Ofélia
com um nenúfar na mão.
...
Quem é Ophélia?
Ophelia, é uma personagem secundária da obra Hamlet, de William Shakespeare, que nos proporciona uma complexidade das realidades humanas e é uma aventura no significar. Mais Dionísico que apolíneo, flerta com a cultura pagã e deixa a interpretação de todo o conteúdo simbólico para o leitor. Escrita entre 1585 e 1601, a peça é a mais famosa e com uma qualidade de atemporalidade que nos permite transportá-la para os dias de hoje e analisá-la.
Hamlet é um príncipe atormentado pelo desejo de vingar a morte do pai. Ophelia é utilizada como ferramenta política por ele, pois ela é filha de Polônio, suspeito de ser o assassino. Hamlet a deseja mas não confia nela, pois transfere a desconfiança despertada por sua mãe, Rainha Gertrudes, que não espera o tempo de luto e se casa com o pai de Ophelia. Esta deseja Hamlet mas não consegue saber o que realmente quer, já que é manipulada pelo pai e pelo irmão. Ao ver que Hamlet enlouquece, sente-se culpada e enlouquece também. A cena de sua morte, descrita por Gertrudes, é uma das mais belas passagens da literatura:
Onde um salgueiro cresce sobre o arroio,
E espelha as flores cor de cinza na água;
Ali, com suas líricas grinaldas
De urtigas, margaridas e rinúnculos,
E as longas flores de purpúrea cor
A que os pastores dão um nome obsceno
E as virgens chamam de "dedos de defunto",
Subindo aos galhos para pendurar
Essas coroas vegetais nos ramos,
Pérfido, um galho se partiu de súbito,
Fazendo-a despencar-se e às suas flores
Dentro do riacho.
Suas longas vestes
Se abriram, flutuando sobre as águas;
Como sereia assim ficou, cantando
Velhas canções, apenas uns segundos,
Inconsciente da própria desventura,
Ou como um ser nascido e acostumado
Nesse elemento; mas durou bem pouco
Até que as suas vestes encharcadas
A levassem, envolta em melodias,
A sufocar no lodo.
(Hamlet, Shakespeare-p.145)
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