16 de agosto de 2010

Sobre opostos e sonhos...



Ela observou a escrita dele. Parecia-lhe alguém diferente dali: mais educado, ponderado, equilibrado (como as aparências enganam!) mas, mesmo assim, passou a conversar - virtualmente -, com esse indivíduo.

Parecia um gentleman: palavras pensadas - discurso ensaiado e toda aquela baboseira banal de quem quer impressionar. Ela fez de conta que estava achando aquilo tudo uma ma-ra-vi-lha!

Todos os dias, ela abria o correio eletrônico para ler a nova mensagem do dia... como sempre, aquele repetitivo discurso de que ela era uma mulher maravilhosa, linda, que as coisas que ela escrevia eram demais, que tudo o impressionava e vários eteceteras. Ela começou a crer que realmente sua existência fazia diferença a alguém, no caso, ele.

Então, num desses impulsos femininos-românticos, ela enviou o número do celular ao sujeito.

Ele ligou. O celular teve um "piti" e apagou. Ela, tentou retornar, mas o aparelho não salvou o número!

No dia seguinte, ele ligou novamente. Ela atendeu. Ele se apresentou, conversaram um pouco e parecia haver uma sintonia absurda entre ambos... ele encantado por ela e esta por ele... dois bobos... ele um quase-sexagenário e ela uma mulher de menos de 40 anos.

Ele, alguém que a vida causou algumas fétidas feridas. Ela, alguém que a vida era um show... de heavy metal.

Ele, alguém que pouco amou, pouco se aventurou, pouco foi amado.

Ela, alguém que viveu para amar, corria atrás de aventuras e foi intensamente amada. Muito mesmo. Bonita. Uma mulher que atrai olhares, comentários. Ela impressiona. Inteligente emocional.

Ele, um tipo que poderia ter sido belo enquanto moço mas que as décadas lhe somaram dobras pela face. Um corpo... ou eram três corpos? Não se sabe exatamente, mas fisicamente, nada atrativo... quase assustador.

Os anos, a vida de quem vai sobrevivendo, é rude.

Dois opostos. Ambos se olharam... estranheza.

Frieza.

Um convite para jantar. Ela, como toda mulher: vaidosa. Ele, como todo homem: meio-vaidoso.

Horário combinado, ambos à postos.

Ela tensa. Ele... não se sabe.

Dois opostos não se atraem. Pensou ela. Pensou tão alto que eu pude ouvir do banco traseiro.

Ele guiava... meio-mal, mas se esforçava. Ele teve uma boa intenção: levá-la pra jantar: comida oriental. Só não se lembrou de perguntar se ela apreciava. Ela aceitou assim mesmo. Ela apreciava sim.

Assustos idiotas de quem não tem intimidade e de várias formas, cumpriam uma mera formalidade.

Há regras sociais e de etiqueta que deveriam ser repensadas: se uma mulher calça salto, o homem deveria estender-lhe o braço e andar à frente dela. Outra: jamais use calça preta, meia esporte branca e sapato-de-ficar-em-casa preto... beira o bizarro. Se quer conversar e o som está ligado, deixe-o num volume bem baixinho... assim, evita que as pessoas tenham que gritar, alterar o tom de voz e fazer uma conversa parecer uma briga.

Ela odeia som alto. Ele adora samba. Ela... bem... ela é eclética mas gosta mesmo de rock. Rock dos anos 70 pra frente... sabe aquele tipo de escala que começa com Led Zeppelin? Pois é... esse mesmo... nada ANTERIOR a isso.

Imagine: opostos com uma diferença de quase 20 anos. É raro que a pessoa mais nova vá conhecer as músicas que o mais... mais vivido dançou nos bailinhos de sua época. Então, não cometa a grosseria de achar que a pessoa mais nova tem o dever de conhecer aquilo.

Os planos dele não deram certo. Acabaram indo a um lugar um tanto inusitado. Ela, apesar de não ter tanta grana como ele, tem bom gosto. Ele tem dinheiro e disse que tem bom gosto. Nós acreditamos, mas ele provou o contrário. O lugar era feio mesmo. Sabe aquele tipo de lugar que você levaria alguém que você detesta ou quer causar uma péssima impressão? Pois é... lá estavam os opostos.

Depois de várias tentativas, ela escolheu o prato, já arrependida da forte intuição que a invadia. Aquilo causou suores nas palmas das mãos dela.

Era feia e ruim a comida. Ela quase não janta, come pouco à noite. Arriscou um naco do filé. Ela se lembrou, ao ver aquela comida, dos tempos em que morava em república e cursava a faculdade. Coitado dele... não sei se a fome era muita ou alguma desilusão. Sim, ele não aprovou a moça.

Os opostos não se atraem, lembra?

Bem... ele comeu o "rango". Ela beliscou... estava sem fome (ela quase não come à noite).

Sabe como são aquelas conversas durante almoço ou jantar? Essa não foi muito diferente: ele criticava os gostos dela: o refrigerante, os doces. Antes disso, ele a matou no caminho desse lugar em que fizeram a refeição... matou ao dizer que ela precisava se cuidar. Quanta sutileza!

Ela pesa algo que ainda ocupa dois dígitos. Ela aparenta ser 1/3 do corpo dele. Ele a aconselhou a se cuidar. Sabe o que é isso pra uma mulher que sabe estar "gordinha", mas que sabe estar "gostosa"? Isso é estrangular a vaidade feminina. Nesse momento, ouvi os pensamentos dela mais uma vez: "- não se enxerga, balofo????"...

É... você não se esqueceu, né? Os opostos...

Eu percebi que ambos se esforçavam pra suportar um ao outro. Ele esperava ter se encontrado com uma lolita e ela com um cavalheiro. Nem um, nem outro. Ambos estavam iludidos!

Não defenderei nenhum dos dois. Mas eu, se fosse o tiozinho, teria me ajoelhado e rezado vários Pai-Nossos em agradecimento por ter conhecido uma mulher como aquela.

Fazer o que, né!?

No dia seguinte, ela tentou ser gentil. Mesmo sabendo que a coisa não rolaria, ela quis (mania de mulher!) ter as provas, ouvir - ou melhor: ler as palavras.

Ele nem respondeu ao "boa tarde" no msn.

Ela, educadinha, ainda arriscou-se informando as boas novas do dia. Ele apenas respondeu limitada e grosseiramente:

"isso é coisa do Caetano".

Assinou apenas com o nome, sem aquela lenga-lenga de deixar beijos ou elogiar a moça.

As palavras, quando são poucas, são uma espada... uma frase só: fina e compridinha (não muito): cortaram as tripas da moça no ato. Atravessou-lhe a barriga e rasgou um tiquinho de um pulmão.

Inconformada! Ela ficou inconformada com a grosseria. Que ele não tivesse interesse numa moça de menos de 40, tudo bem, mas destratar a criatura que nada de mal lhe causou... é típico de homem sexagenário mesmo.

Não, caro leitor, cara leitora, não estou dizendo isso sobre qualquer homem sexagenário. É este, do texto, da história. Um homem que está beirando os sessenta e ainda tem o sonho de conseguir para si, uma Lolita.

Ela ficou pensando durante a tarde do dia seguinte nos seus sonhos de mulher. Não é uma mulher, apenas... ela é uma, aliás a Mulher. Ela sempre diz isso. Dá-se, permite-se esse reconhecimento. Ela que se achava uma sonhadora ficou desiludida!

Conheceu alguém que sonha - de fato e tamanho -, alguém que sonha o impossível... uma lolita (veja bem: escrito em minúsculo - uma adjetivação, e nada a ver com a personagem criada pelo compatrício Nabokov...

A Russa.

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